Review Noivo à Indiana: amor sem pose em deliciosa comédia queer

Tem romcom que parece feita por algoritmo: duas pessoas bonitas, três montagens de mercado orgânico, um popzinho no fundo e pronto, amor entregue em 96 minutos com recibo e troca grátis. Noivo à Indiana (A Nice Indian Boy) olha pra esse manual e faz o que todo filme decente deveria fazer com manual: rasga, mastiga e devolve em forma de dança. Sim, tem casamento, tem família, tem choque cultural, tem o “apresente seu namorado para os pais” com gosto de evento corporativo. Mas o que Roshan Sethi faz aqui é mais raro do que parece: ele dá alma para o que seria só mais uma comédia bonitinha de catálogo.

A história começa do jeito que mais dói: numa festa em que todo mundo está feliz demais e, por isso mesmo, alguém vai ser esmagado. No casamento da irmã, Naveen (Karan Soni) vira alvo daquela frase que toda família tem orgulho de repetir como se fosse carinho: “você é o próximo”. Ele é gay, os pais “aceitam” do jeito típico de quem diz que aceita mas prefere não conversar sobre nada que tenha sangue, sentimento ou conflito. O problema não é a rejeição aberta; é a repressão educada. E Naveen, coitado, não é só tímido: ele tem “game” negativo. O filme brinca com isso sem crueldade, mostrando o cara deixando mensagens para dates como se estivesse pedindo desculpas por existir.

Aí vem o meet-cute que funciona porque é simples e específico: dia de foto no hospital, entra Jay (Jonathan Groff), fotógrafo, sorriso fácil, coração escancarado, e a câmera (literalmente) marca o clique do encontro. Groff, que normalmente você vê brilhando em musical e drama com cara de prêmio, aqui ganha o prazer raro de ser protagonista romântico sem precisar pedir permissão para ser fofo. Ele é o tipo de personagem que fala de sentimento sem parecer palestrante de TED. E isso é o que tira Naveen do modo “me escondo atrás do humor” — não porque Jay o “conserta”, mas porque o constrange a ser honesto.

O detalhe mais inteligente do roteiro (de Eric Randall, adaptando a peça de Madhuri Shekar) é que Jay não é só “o cara branco simpático” da história: ele foi adotado por um casal indiano e cresceu apaixonado por aquela cultura, mais do que muita gente “de dentro” que só quer sobreviver às expectativas. Ele leva Naveen para ver Dilwale Dulhania Le Jayenge (o mítico DDLJ) e o filme entende, com malícia e ternura, que amar também dá vergonha. O grande número aqui não é o musical; é a vergonha de se permitir ser visto.

Quando o relacionamento evolui e chega a hora de apresentar Jay oficialmente, o filme acerta o tom de tragédia cômica: Naveen pede para o noivo “ser ele mesmo”, mas um pouco mais formal, tipo “entrevista para a presidência”. É engraçado porque é verdade: família, às vezes, transforma amor em reunião. E aí entra o coração do filme: não é sobre convencer pais conservadores a “aceitarem” um filho; é sobre uma família inteira aprender a parar de fingir que sentimentos são inconvenientes. No meio disso, o filme ainda tem espaço para algo mais adulto: Naveen está tão obcecado com os próprios medos que deixa de notar sinais de dor real em casa. Essa é a virada que separa romcom “bonitinha” de romcom com sangue circulando.

Agora vamos ao que incomoda e, por isso mesmo, é bom: Noivo à Indiana é “gentil”. E eu sei que, em 2025, gentileza parece crime. Tem gente que vai torcer o nariz porque o filme não quer ser cínico, não quer humilhar seus personagens, não quer transformar a família em vilã de novela. Ele prefere a crueldade silenciosa das boas intenções mal executadas. O humor aqui não é de lacração nem de choque; é de constrangimento humano. Se você entra esperando uma comédia ácida sobre “turismo cultural” e pais terríveis, vai achar leve demais. Se você entra disposto a ver uma história que acredita em reconciliação sem virar propaganda de margarina, aí você entende o truque: esse filme é caloroso sem ser bobo.

E o elenco ajuda a vender a humanidade. Sunita Mani e Zarna Garg dão textura à dinâmica familiar; Harish Patel traz aquele pai que ama, mas ama do jeito travado, como se carinho fosse um idioma estrangeiro. E Soni, finalmente, ganha a chance de fazer o que raramente deixam ele fazer: ser protagonista com camadas, não só alívio cômico.

O filme foi dirigido por Roshan Sethi, estreou no SXSW em 12 de março de 2024 e chegou aos cinemas dos EUA em 4 de abril de 2025, com 96 minutos de duração. E, pra quem quer resolver a vida sem romance com bilheteria, ele aparece listado para streaming em Disney+ e Hulu (além de opções de aluguel/compra em VOD, dependendo do país).

No fim, Noivo à Indiana não quer te provar que amor vence tudo. Ele quer te lembrar que amor dá trabalho — e que família, quando não sabe conversar, usa casamento como idioma. É um filme que dança onde muito roteiro tropeça: entre a alegria e a ansiedade, entre a vontade de pertencer e o pânico de ser visto. E se você for esperto, vai sair com a sensação mais rara que uma romcom pode dar: esperança sem pose.