Essa é uma das melhores listas de fim de ano porque acaba com qualquer argumento de quem ousar criticar o cinema brasileiro. Nosso cinema é diverso, emociona, diverte e expõe as qualidades e as falhas do país.
Se, em 2024, tivemos Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, promovendo um grande sentimento de Copa do Mundo, em 2025 temos O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, que representa o país na atual temporada de premiações. Mas o cinema brasileiro vai muito além disso e atinge camadas que muitos nem imaginam, graças à nossa pluralidade, diversidade e diferentes realidades.
Homem com H (Esmir Filho)
Homem com H é a cinebiografia do cantor Ney Matogrosso estrelada por Jesuíta Barbosa, e o que vemos na tela é um verdadeiro espetáculo. Esmir Filho nos conduz pela vida do canter de maneira espetacular e, através dele, nos mostra parte da história do país no século XX, a opressão vivida por artistas, os bastidores da indústria fonográfica e a sensibilidade e o talento de um dos maiores cantores brasileiros.
AIDS, militarismo, preconceito e homofobia são apenas alguns dos temas que a vida de Ney Matogrosso coloca em pauta.
Homem com H teve uma grande divulgação e distribuição nos cinemas e, ainda assim, não demorou a chegar ao catálogo da Netflix.
O Agente Secreto (Kleber Mendonça Filho)
O filme se apresenta como uma metáfora do Brasil. Há elementos óbvios — o carnaval, o crime, a corrupção, o Fusca —, mas também outros menos evidentes. Kleber Mendonça entende o país com profundidade, além dos símbolos imediatos do Brasil, há pequenas brasilidades — uma barriga enorme com a camisa para fora, o calor, dentes feios. Detalhes que, no fundo, não são detalhes. Essa atenção minuciosa atravessa todo o filme, parece que Kleber conhece intimamente cada personagem, como se a história de qualquer figura que surge em tela pudesse se transformar em um novo filme. E mais do que isso, ele consegue traduzir um Brasil “real” e contraditório, em que a beleza e a feiura coexistem, sendo a feiura a violência do poder.
Review completo de Marcelo Palermo aqui.

Milton Bituca Nascimento (Flávia Moraes)
Com depoimentos de diversos artistas e do próprio cantor, Milton Bituca Nascimento acompanha os bastidores da turnê “A Última Sessão de Música”, que teve apresentações no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. Nomes como Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Mano Brown, Djamila Ribeiro, Quincy Jones e Spike Lee comentam experiências ao lado do artista e como a sua música influencia pessoas em diversas partes do mundo. Em muitos casos, a barreira do idioma se torna invisível porque a linguagem da música é universal.
A narração de Fernanda Montenegro torna a experiência ainda mais emocionante. É como se uma grande amiga nos contasse uma história sobre alguém que ela conhece há muito tempo.

Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa (Fernando Fraiha)
A história gira em torno da fatídica goiabeira, a maior, mais bonita (maraviósa) e com as goiabas mais doces e deliciosas da cidade, mas que está situada nas terras de Nhô Lau, caracterizado pelo ótimo e hilário ator Luis Lobianco. Chico conta com o apoio de seus amigos inseparáveis, com um destaque ao Zé Lelé (Pedro Dantas), Rosinha (Anna Julia Dias), Tábata (Lorena de Oliveira), Hiro (Davi Okabe) e Zé da Roça (Guilherme Tavares), além da adorável professora Dona Marocas (Débora Falabella).
A goiabeira fica em perigo quando o coronel Dotô Agripino (Augusto Madeira) e seu filho Genesinho (Enzo Henrique) protagonizam um plano para trazer o progresso para a Vila Abobrinha através da criação de uma estrada que irá passar justamente pela fatídica goiabeira, tendo que colocá-la ao chão.
A trama, permeada de personagens interessantes e engraçados, com diálogos cheios de humor, inclusive com piadas mais contemporâneas, é um deleite do início ao fim, sobretudo para os amantes dos quadrinhos, que contam também com uma surpresa – presença – muito especial.
Disponível no Prime Video.
Review completo de Natália Ferri aqui.

Manas (Marianna Brennand Fortes)
A protagonista da narrativa é Marcielle, uma menina de 13 anos que vive com os pais (interpretados por Rômulo Braga e Fátima Macedo) e irmãos mais novos, no Arquipélago de Marajó, diante de um ambiente que mistura as experiências universais da adolescência com a vida no coração da floresta. Depois da primeira menstruação, ela passa a ser confrontada por um cotidiano de violência velada, onde o silêncio é regra e a fuga é outra prisão.
Além de ser uma obra sensível que explora o amadurecimento, Manas é um filme de muita robustez no momento de expor os abusos sexuais que acontecem com crianças, adolescentes e mulheres na região. Apesar de ser uma ficção, muito da realidade e dos personagens do filme são inspirados em situações e pessoas reais e saber disso cria uma aura de ainda mais força para o longa-metragem de Brennand.
Disponível no Globo Play/Telecine.
Review completo de Laura Machado aqui.
A melhor mãe do mundo (Anna Muylaert)
Este é um filme que, acima de tudo, machuca. Machuca por colocar em foco uma personagem que se assemelha à diversas brasileiras. Conta a história de uma catadora de recicláveis que, enquanto tenta sustentar os filhos, luta para sair de um relacionamento abusivo.
Um fator relevante em casamentos que se tornam uma prisão é a dependência financeira. Gal não tem apoio para sair de onde está e precisa se desdobrar para alcançar o mínimo de segurança.
Uma história triste, mas absolutamente necessária.
Disponível na Netflix.
Vitória (Andrucha Waddington)
Inspirado no caso real de Joana da Paz, o longa troca a estilização hitchcockiana por uma abordagem mais crua e realista, acompanhando o dia a dia de Nina, uma idosa que carrega no corpo as marcas do tempo, mas que ainda encontra força para desafiar um sistema corrupto. O filme também faz questão de evidenciar o contraste entre a orla turística do Rio de Janeiro e a dura realidade da favela na Ladeira dos Tabajaras, reforçando a dualidade que define a cidade: o cartão-postal para alguns, o campo de batalha para outros.
Vitória acerta ao não limitar nosso olhar apenas a Dona Nina, mas também aos personagens que orbitam seu dia a dia. O menino Marcinho, interpretado com competência pelo estreante Thawan Lucas, não ganha um arco completo, deixando uma lacuna em sua transformação em usuário de drogas e até membro do movimento. Mas é através dele que o filme lança seu comentário mais contundente: a hipocrisia de uma sociedade que se acovarda diante de bandidos armados, mas se sente valente para condenar uma criança.
Review completo de Alvaro Goulart aqui.
Disponível no Telecine/GLOBO Play

O último episódio (Maurílio Martins)
A trama acompanha Erik, um garoto de 13 anos que, para impressionar a menina de quem gosta, garante ter em casa uma fita com o lendário final de Caverna do Dragão. Com a ajuda dos melhores amigos, ele tenta encontrar uma saída para escapar dessa enrascada e, no processo, vive uma intensa história de amadurecimento.
Embora a história explore fortemente o fascínio em torno de Caverna do Dragão e do suposto “episódio final”, é interessante observar como essa ideia serve de motor para a jornada de Erik. O desejo de impressionar a menina do colégio e a aventura que ele cria para sustentar sua mentira funcionam como metáfora para o poder da imaginação e da amizade. A metalinguagem de “um filme dentro do filme” torna a experiência ainda mais nostálgica e divertida.
Review completo de Marcos Tadeu aqui.

Serra das Almas (Lírio Ferreira)
Com uma narrativa inquietante, repleta de ação e suspense, Serra das Almas conduz o espectador por uma verdadeira jornada emocional, repleta de nuances e com profundidade. O projeto partiu de um roteiro prévio, mas evoluiu com o envolvimento do elenco e da equipe, até encontrar sua identidade definitiva nas paisagens da Serra Negra, em Pernambuco.
Disponível na Netflix.
Review completo de Angelo Cordeiro aqui.

Baby (Marcelo Caetano)
Baby é um filme sobre um adolescente crescendo na cidade, mas é também sobre um outro homem, envelhecendo na cidade, e é também sobre a cidade, a cidade de São Paulo.
Poucos filmes conseguiram captar a essência da cidade de São Paulo, Baby faz isso, registrando a beleza feia da cruel metrópole.
O diretor Marcelo Caetano é um gerador de grandes atores, Ricardo Teodoro e João Pedro Mariano estão ótimos.
(Marcelo Palermo)

