Stephen King: o homem que não aguenta ver o próprio sucesso
Imagine escrever tanto que até o Google precisa de indexação especial pra listar suas obras. Esse é o caso de Stephen King, o homem que transformou trauma, café e excesso de imaginação em quase 100 adaptações cinematográficas — e pelo menos 17 remakes desnecessários.
Mas entre tantas versões, de clássicos como O Iluminado e It até fracassos constrangedores tipo A Maldição do Cigano, uma pergunta paira: qual dessas o próprio King realmente gosta?
Spoiler: não é O Iluminado. E sim, ele ainda está bravo com o Kubrick.
“Um Cadillac lindo, mas sem motor”
King nunca escondeu seu ranço por O Iluminado, de Stanley Kubrick.
O autor reconhece a beleza visual do filme, mas odeia o que o diretor fez com seus personagens.
“É um lindo filme. Um Cadillac bonito, mas sem motor”, disse King, em uma das críticas mais elegantes e passivo-agressivas da história do cinema.
Traduzindo: ótimo visual, zero coração.
E quando o homem que escreveu sobre um carro assassino chama o seu filme de Cadillac vazio, a ironia atinge níveis sobrenaturais.
A verdadeira queridinha: Storm of the Century (1999)
Em entrevista citada pelo livro Hollywood’s Stephen King, de Tony Magistrale, o mestre do terror revelou que sua adaptação favorita é… uma minissérie da TV dos anos 1990 chamada Storm of the Century (A Tempestade do Século).
E o mais curioso: ela nem é baseada em um livro seu — King escreveu o roteiro direto para a tela.
“É o meu trabalho favorito feito para a TV. Amo essa história e ainda tenho muito orgulho dela. Na minha cabeça, é tão boa quanto os meus melhores romances.”
Dirigida por Craig R. Baxley, a minissérie acompanha uma cidadezinha isolada no Maine (onde mais?) que enfrenta uma nevasca apocalíptica — e um estranho visitante que exige um sacrifício macabro.
É King em sua essência: o mal chega de fora, mas o verdadeiro inferno é o que as pessoas fazem umas com as outras.
Um terror de TV com mais coragem que muito cinema
King diz que Storm of the Century “funcionou exatamente como deveria”.
Ele elogiou o elenco (especialmente Colm Feore, que interpreta o vilão Andre Linoge), o cenário claustrofóbico e o tom sombrio.
“Foi duro para a televisão”, explicou.
“Não é aquele tipo de minissérie feliz, em que tudo termina bem. É realista. A gente fez algo corajoso, sem tentar agradar o público.”
O autor ainda comparou o projeto com outra de suas obras para TV, Rose Red, concluindo com a sutileza de quem não precisa de eufemismos:
“Rose Red simplesmente não é tão boa.”
O problema de ser o próprio universo expandido
É quase um milagre King lembrar o que gosta, considerando o volume de adaptações baseadas em suas obras — e o fato de que metade delas ele provavelmente escreveu durante um blackout criativo regado a Coca-Cola e demônios pessoais.
Entre filmes, séries, curtas, peças e remakes, o autor já virou praticamente um gênero cinematográfico por conta própria.
E mesmo assim, seu coração ainda pertence a uma minissérie de 1999 com orçamento de café e CGI de Power Rangers.
Conclusão: o rei ainda sabe reconhecer uma boa tempestade
Enquanto Hollywood segue refilmando It e ameaçando transformar Cemitério Maldito em musical, Stephen King guarda um carinho especial por um projeto de TV feito sem pressa, sem vaidade e com neve suficiente pra enterrar uma cidade inteira.
E se ele diz que Storm of the Century é “tão boa quanto os melhores romances”, talvez devêssemos dar uma chance.
Afinal, quando o homem que escreveu O Iluminado e It elogia algo assim, dá pra apostar que a previsão é de 90% de terror, 10% de consciência pesada — e uma chance razoável de possessão demoníaca.

