Imagine acordar um dia e descobrir que, ao fazer 75 anos, você será “gentilmente removido” da sua vida para uma colônia governamental onde poderá descansar… até morrer. É esse o cenário inquietante de O Último Azul, novo longa de Gabriel Mascaro (Boi Neon, Divino Amor) que mistura distopia amazônica, crítica social feroz e poesia visual em um voo existencial sobre envelhecer com dignidade — ou tentar.
Sobre o que é O Último Azul?
A trama começa com o som de uma propaganda de governo tão alegre quanto sinistra: “O futuro é para todos!” — diz um avião monomotor que sobrevoa uma cidade precária e industrializada no coração da Amazônia. O anúncio? Uma colônia paradisíaca para idosos financiada pelo Estado. Uma última gentileza para aqueles que já “deram tudo de si”.
Mas para Tereza (a extraordinária Denise Weinberg), 77 anos, essa “gentileza” soa como uma condenação. Ela não quer descansar, não quer ser afastada, e definitivamente não quer ter sua autonomia delegada à filha e a um auxílio financeiro. Ela quer, simplesmente, continuar vivendo por conta própria — o que, nesse futuro próximo, já é considerado subversivo.
O que se segue é quase um road movie amazônico, onde a estrada é feita de rios, lama e poeira. Tereza embarca em uma jornada poética (e política) para realizar um sonho aparentemente simples: voar de avião. Mas em um mundo que quer que ela aceite calada seu fim programado, esse desejo ganha contornos revolucionários.
Para quem é?
Se você se emocionou com Nomadland, se arrepia com as distopias à la Black Mirror e sente calafrios com discursos “bem-intencionados” de governos autoritários, esse filme é pra você. Mas também é pra quem tem mãe, avó, ou simplesmente medo de um dia ser tratado como peso morto quando a velhice bater à porta.
Quem está no elenco?
Denise Weinberg entrega uma performance que merecia ser estudada nas escolas de atuação do país. Ela carrega o filme como Tereza carrega sua história: com força, ternura e obstinação. O restante do elenco aparece mais como encontros poéticos na jornada: figuras deslocadas, excêntricas, humanas, que ajudam a construir essa atmosfera de delírio lúcido.
A direção de Mascaro é, como sempre, hipnótica. Ele transforma o banal em simbólico, o concreto em metáfora, e o caracol da baba azul — sim, tem isso — em ícone de resistência. E tudo sem perder o senso estético que faz de cada cena uma pintura tropical distorcida.
Onde assistir O Último Azul?
O Último Azul está em cartaz nos cinemas brasileiros desde o último dia 28 de agosto.
Veredicto: O Último Azul é bom?
Bom? O Último Azul é necessário. É uma distopia brasileira feita com a sutileza de um tapa na cara e a beleza de um sonho insistente. Uma crítica ao etarismo, ao populismo, ao controle estatal travestido de cuidado — mas também uma ode ao desejo. À vontade de continuar sendo alguém mesmo quando o mundo tenta te silenciar com panos quentes e palavras doces.
É o tipo de filme que não te entrega respostas, mas te obriga a fazer perguntas incômodas: quem decide quando sua vida deixa de ser produtiva? O que significa envelhecer com dignidade? E por que o sonho de voar ainda assusta tanto?

