Pluribus cala a boca dos haters de Gilligan
Vince Gilligan passou 15 anos provando que sabe contar história melhor do que metade de Hollywood junta, mas bastou ele trocar metanfetamina azul por hive mind good vibes pra internet decidir que agora sim ele ia errar.
Spoiler: não errou.
A nova série dele, Pluribus, exclusiva do Apple TV, estreou com aclamação pesada da crítica e hoje ostenta 98% de aprovação no Rotten Tomatoes – com consenso chamando o negócio de “ficção científica genuinamente original” e rasgando seda pra Rhea Seehorn, que carrega tudo nas costas com a elegância de sempre.
Mesmo assim, a ala “nada acontece, só conversinha” passou cinco semanas reclamando do ritmo. Aí veio o episódio 5, “Got Milk”, e Gilligan fez o que mais gosta: esperou a torcida abrir a boca pra, então, enfiar o tapa de mão cheia. A virada é grande o bastante pra deixar fã em choque, crítico recuando e hater quietinho (por pelo menos dois dias, que ninguém é de ferro).
O mundo acabou, mas todo mundo tá feliz (menos a protagonista)
Antes de falar do “toma essa” do episódio 5, vale lembrar a premissa, porque ela é deliciosa de tão bizarra:
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um vírus alienígena chega via sinal de rádio;
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a humanidade inteira vira uma espécie de mente coletiva felizinha, os “Others”;
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todo mundo pensa junto, sente junto e é eternamente fofo, colaborativo e sereno;
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sobram apenas 13 pessoas imunes no planeta, entre elas Carol Sturka (Rhea Seehorn), escritora de romance fantástico vivendo em Albuquerque.
Pluribus é a história dessa mulher que:
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perdeu a namorada no caos inicial,
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ficou sozinha numa cidade esvaziada,
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e ainda é culpada pelo próprio hive mind, porque a raiva dela é tão intensa que literalmente mata gente conectada.
É o apocalipse visto pela perspectiva de alguém que não só não foi “salvo” pela nova utopia, como ainda virou problema técnico pro sistema.
“Nada acontece”: o déjà-vu de quem não aprendeu com Breaking Bad
Até o episódio 4, a série estava num ritmo 100% Gilligan: câmera contemplativa, longos planos de processo, construção de rotina, diálogos aparentemente triviais que você sabe que vão te jogar no chão mais pra frente. As críticas? As mesmas de sempre:
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“é lento”,
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“não acontece nada”,
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“muito papo, pouca explosão”.
Curioso, porque Breaking Bad sofreu com o mesmo coro nas primeiras temporadas. Hoje o povo lembra só do “yeah Mr. White!”, mas esquece que lá atrás teve episódio inteiro sobre mosca, química doméstica e Walter White sendo humilhado pela própria vida antes de virar o demônio do deserto.
Com Pluribus, Gilligan repete a cartilha:
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primeiro ele te tranca dentro da cabeça da protagonista,
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depois te faz entender a lógica bizarra do hive mind,
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só então começa a puxar o tapete.
E o tapete veio em “Got Milk”.
Episódio 5: o leite azedou de vez
“Got Milk” é o episódio em que Gilligan responde oficialmente ao clube do “nada acontece”. Em 50 e poucos minutos, ele:
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Isola Carol de vez
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Depois de algumas tentativas desastrosas de “desfazer” a união da Zosia, a amiga conectada ao hive quase morre.
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O hive reage como um ex tóxico passivo-agressivo: arruma as malas e some da cidade, deixando só um recado gravado dizendo que “precisa de espaço”.
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Joga a protagonista sozinha num mundo hostil
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Nada de multidão eternamente gentil.
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Agora tem lobos rondando, silêncio absoluto e uma Carol emocionalmente destruída, tentando se convencer de que preferia assim (não prefere).
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Transforma leite em pesadelo conspiratório
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Carol começa a notar caixas de leite largadas pela cidade.
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Segue o rastro até uma fazenda de laticínios e descobre que aquilo ali não é leite coisa nenhuma, e sim um líquido amarelo esquisito feito a partir de um pó cristalino.
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Com investigação à la Breaking Bad versão lactose, ela rastreia o negócio até uma empresa de ração e a gigante AGRI-JET.
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Encerra no melhor estilo “você que se vire até semana que vem”
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Carol entra numa área de armazenamento refrigerada.
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Encontra prateleiras cobertas, puxa uma lona e…
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tem a reação mais genuinamente horrorizada da série até agora. A câmera NÃO mostra o que ela viu. A gente só fica com o grito preso na garganta junto com ela.
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O resto é teoria, com metade da internet apostando em algo bem nível Soylent Green (corpos humanos na cadeia de produção do “leite da felicidade”). Nenhuma confirmação ainda, só sofrimento compartilhado.
Pluribus sempre foi slow-burn. Você que é ansioso
A graça de Pluribus nunca foi ser série de twist por minuto. Desde o começo, a crítica tem descrito o negócio como:
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“deliberado e errante, às vezes confuso na recusa de dar payoff imediato” (no bom sentido),
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uma mistura de sci-fi, drama psicológico e humor negro, com fotografia lindíssima e Rhea Seehorn absolutamente possuída em cada plano.
Tudo isso pra dizer:
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Pluribus não “acelerou” de repente no episódio 5;
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ele só colheu o que vinha plantando desde o piloto: culpa, luto, paranoia, desconfiança do “felizes para sempre” coletivo… e uma protagonista que decide encarar a origem da própria prisão com uma curiosidade suicida.
O twist do depósito refrigerado não desmente o ritmo anterior – ele recompensa. E cala bonito quem passou quatro semanas tratando a série como “Vince Gilligan fazendo ficção científica fofinha”.
E agora?
Com a bomba de “Got Milk”, a série:
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muda Carol de observadora para investigadora ativa do horror;
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joga suspeita em cima da origem do hive mind e do tal “leite”;
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promete uma segunda metade de temporada bem mais tensa, com menos contemplação e mais consequência.
Enquanto isso, Pluribus segue:
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com 98% no Rotten Tomatoes,
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notas altíssimas no Metacritic,
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e texto de crítico gringo chamando a série de “entrancing piece of television”, elogiando exatamente o que o fandom apressado chamava de “lento demais”.
Moral da história?
Se depois de Breaking Bad e Better Call Saul você ainda acha boa ideia duvidar de Vince Gilligan no episódio 3…
…o problema não é o ritmo. É sua memória de culto.

