review a mulher na cabine 10

Review A Mulher na Cabine 10: Netflix aposta em luxo, paranoia e… Keira Knightley caindo na água (duas vezes)

poster a mulher na cabine 10Perdão aos mares do Norte, mas “A Mulher na Cabine 10” é o Titanic dos thrillers de iate: parte exibindo porcelana fina, bate no primeiro iceberg de roteiro e passa duas horas boiando em água gelada de clichê. A ideia até promete — jornalista vê (ou acha que vê) uma mulher ser arremessada ao mar e ninguém a bordo admite que essa pessoa exista —, mas o filme trata mistério como decoração de convés: tudo brilha por cinco minutos, depois você percebe que é plástico. Simon Stone dirige como se estivesse montando um Reels patrocinado pelo setor náutico da Net-a-Porter: muito close em taça suando, muito terno caro no vento e zero noção de suspense. É “Agatha Christie para influencer”, com todos os filtros e nenhum neurônio.

A Lo da Keira Knightley começa interessante (ansiosa, calejada, teimosa), mas o filme transforma a personagem em saco de pancada da lógica: ela investiga, esbarra numa parede de gaslighting corporativo, e a narrativa responde com “corta pra Keira na água” — duas vezes. A cada avanço, surge um recurso preguiçoso: celular some quando precisa, câmera de segurança vira cenografia, tripulante-chave evapora, e o roteiro insiste em reviravoltas que qualquer pessoa alfabetizada em Frame a Frame já previu no trailer. Guy Pearce faz o bilionário de manual (“filantropo” que dá piti), Lisa Loven Kongsli tem aura de segredo mas pouca função, e Hannah Waddingham, coitada, é rebaixada a taça de espumante com frases de efeito. Do lado “jovens ricos problemáticos”, sobra caricatura e falta graça. E o Ben do David Ajala é personagem-chave-fenda: só aparece pra apertar parafuso de trama e some — instrumento, não gente.

Tecnicamente, o filme tem dinheiro, mas gasta mal. A fotografia abraça o bege premium: convés em “champanhe dourado”, corredores em “verde hospital de vilão”. O som te cutuca com “agora é hora de ficar tenso” sempre que o roteiro não consegue. A montagem até tenta segurar a ilusão de ritmo — Lo a um corredor da verdade —, mas o terceiro ato é um naufrágio editorial: um epílogo que dura a vida, exposição mastigada como PowerPoint em reunião, e um “escape final” tão esticado que dá tempo de você pedir refil de pipoca, água e, quem sabe, um guincho. Há cenas que beiram o risível involuntário (a inspeção mágica da cabine “imaculada”, o festival de mergulhos, a aparição conveniente de pista número 37) e o filme parece orgulhoso disso, como se breguice fosse estilo.

O que mais irrita é o desperdício do tema. Tinha munição pra um noir venenoso: bilionários controlando narrativa, trauma usado como descrédito, hotel flutuante de impunidade. Em vez de morder, o filme lambe: faz pose de denúncia e se comporta como release de assessoria — um textão sobre “fundação filantrópica” com cadáver debaixo da mesa. O gaslighting, que poderia cutucar feridas contemporâneas, vira muleta de roteiro para manter a protagonista calada até a hora da virada burocrática. É tudo tão asseado, tão “luxo instagramável”, que quando chega a “grande revelação” você não se choca; você boceja. E se a ideia era brincar com “será que ela imaginou?”, a direção responde com a sutileza de uma âncora caindo no seu pé.

Keira Knightley até tenta, segura dignidade no vendaval de decisões idiotas, mas ninguém sobrevive a um texto que confunde engenho com cola quente. Pearce se diverte no piloto automático, Waddingham é mal usada, e o resto do elenco cumpre tabela de Clue em cruzeiro temático. No fim, “A Mulher na Cabine 10” é um thriller que prefere parecer caro a ser bom; luxo de catálogo com miolo de novela das onze que desistiu no capítulo oito. É entretenimento de aeroporto que perdeu o voo e decidiu dormir no carpete da sala VIP.

Veredito: se suspense é mar revolto, aqui é piscina de hotel com o filtro quebrado. Salva quem quiser, mas leve boia, paciência e um podcast para quando o terceiro ato começar a se arrastar.

Nota: 2/5 caipirinhas — iate bonito, crime chato, roteiro com buraco de casco. Se fosse série, eu dropava no episódio 3. Aqui, larguei mentalmente na segunda queda d’água.