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Review Amores à Parte: caos a quatro em comédia romântica hilária

Amores à Parte (o original Splitsville) começa do jeito que muita comédia romântica moderna deveria ter coragem de começar: com sexo, susto e uma piada fálica visual que te avisa, sem delicadeza, qual é o cardápio. Vida, morte e tesão. O resto é reunião de condomínio. Michael Angelo Covino, que dirige e atua, vende o filme como “comédia nada romântica” e, por uma boa hora, ele entrega exatamente isso: gente bonita tomando decisões feias, com timing de pastelão e coração de tragédia pequena, dessas que não viram manchete, só viram trauma em grupo de WhatsApp.

A premissa é um empurrão de dominó: Carey (Kyle Marvin) descobre que Ashley (Adria Arjona) andou “explorando opções” e quer o divórcio. Em pânico, ele foge para o refúgio do casal amigo, Paul (Covino) e Julie (Dakota Johnson), naquela clássica tradição humana de procurar consolo na vida alheia e sair de lá com mais problema do que entrou. A surpresa? Paul e Julie têm um casamento aberto — e a coisa, claro, não fica no PowerPoint do “relacionamento maduro”. Quando um “amigo” atravessa uma linha que não foi desenhada pra ele, a liberdade vira ressentimento com Wi-Fi.

Covino e Marvin escrevem como quem ama comédias dos anos 70: personagens sexualmente ativos, moralmente duvidosos e emocionalmente imaturos, mas sem transformar todo mundo em idiota de sketch. O truque é sacana e eficiente: você ri porque reconhece as fraquezas, e se contorce porque reconhece as fraquezas. O filme tem uma energia episódica, pulando trechos de tempo como se dissesse “você sabe o que aconteceu aqui, não vamos fingir que terapia é rápida”, e isso dá ritmo ao caos — Carey orbitando Julie, Paul tentando parecer “evoluído” enquanto desmorona, Ashley curtindo a recém-adquirida autonomia como quem testa o próprio corpo depois de anos engessado.

E aí entra o elemento que deveria ser óbvio, mas quase nunca é em comédia: Amores à Parte é bonito pra cacete. Adam Newport-Berra filma a casa de praia/lago como um personagem — um templo de luxo onde essas pessoas parecem ainda menores, mais patéticas, mais expostas. Tem enquadramento de canto de sala, tem janela funcionando como moldura do desastre, tem aquele prazer de ver uma comédia com cara de cinema, não de sitcom de streaming montada no piloto automático. Sara Shaw, na edição, entende que piada boa precisa de ar: deixa a cena respirar, deixa o desconforto cozinhar, deixa o ridículo acontecer sem pressa — especialmente numa briga entre Carey e Paul que é coreografada como se fosse o balé mais vergonhoso do ano (elogio).

O elenco funciona porque ninguém tenta ser “cool”. Kyle Marvin tem uma simpatia desesperada, aquele tipo de cara que faz besteira e ainda olha pra você como se pedisse absolvição antecipada. Covino começa mais áspero — o amigo que posa de sábio, mas só está negociando com o próprio medo — e melhora quando o filme para de tratar a abertura do casamento como badge de modernidade e passa a tratar como o que muitas vezes é: um acordo frágil que aguenta o mundo, mas não aguenta o melhor amigo. Dakota Johnson é mais interessante quando o texto deixa ela ser leve, e aqui ela brilha no sorriso ambíguo, na calma que parece maturidade (mas pode ser fuga). Adria Arjona tem presença de tela para carregar filme nas costas, e faz o que dá com uma personagem que, às vezes, parece existir mais como gatilho narrativo do que como pessoa.

E é aqui que eu puxo a faca: Amores à Parte é uma comédia sobre homens-criança tentando entender o próprio ego… e isso, por si só, não é pecado. O pecado é quando o filme escreve as mulheres como reflexo do pânico masculino. Ele tropeça feio nesse ponto: Julie e Ashley muitas vezes viram espelhos das inseguranças de Carey e Paul, e não motores próprios de desejo e contradição. As atrizes fazem milagre, mas milagre não substitui roteiro. Some a isso um final que chega meio corrido, meio “vamos encerrar antes que alguém amadureça”, e pronto: você tem um filme muito engraçado, frequentemente inteligente, ocasionalmente lindo, mas que ainda carrega um cheiro de “a história é deles, elas orbitam”.

Ainda assim, tem uma honestidade rara aqui: o filme não parece “testado” em laboratório de agradar todo mundo. Ele deixa seus protagonistas serem previsíveis, mesquinhos, carentes, e até um pouco repelentes — e confia que o público aguenta rir sem precisar gostar. Nicholas Braun aparece num papel de participação como um entertainer de festa infantil/mentalista e dá ao filme um toque meta: é como se alguém entrasse na sala e dissesse “eu consigo prever as próximas frases desses dois marmanjos”, porque consegue mesmo.

No fim, a pergunta que decide comédia é brutal e simples: você riu? Eu ri — e ri com culpa, que é o tipo de risada mais humana. Amores à Parte é um retrato debochado de gente rica emocionalmente falida usando “liberdade” como desculpa para não encarar o básico: responsabilidade afetiva não é um termo, é trabalho.