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Review Casa de Dinamite: Bigelow volta com thriller nuclear devastador

casa de dinamite posterKathryn Bigelow voltou pra acabar com seu dia. A diretora de “Guerra ao Terror” e “A Hora Mais Escura” passou anos longe das câmeras e decidiu retornar justamente com o filme que ninguém quer ver mas todo mundo precisa. “Casa de Dinamite” (A House of Dynamite) é sobre o assunto que a gente tacitamente concordou em nunca discutir: ataque nuclear real acontecendo agora, sem aviso, sem vilão claro, sem heróis salvando o mundo no último segundo.

Não é ficção científica. Não é sátira como “Dr. Fantástico” de Kubrick. Não tem alívio cômico. É procedural de terror puro: 18 minutos entre militares detectarem lançamento de míssil nuclear vindo do Pacífico e a bomba explodir em Chicago. Dezoito minutos pra decidir o futuro da humanidade. Dezoito minutos filmados repetidas vezes de ângulos diferentes, lugares diferentes, perspectivas diferentes – como “Rashomon” do apocalipse.

Bigelow e o roteirista Noah Oppenheim não estão interessados em entretenimento. Estão interessados em te fazer sentir náusea escalando pela garganta enquanto assiste. Aquela sensação específica que só o tema nuclear provoca – medo primordial, visceral, que desafia qualquer narrativa porque desafia a própria possibilidade de pensar sobre o assunto sem entrar em colapso.

A ação acontece em salas de situação e centros de comando com siglas que parecem saídas de videogame militar: PEOC (Centro de Operações de Emergência Presidencial). Pessoas em fileiras de mesas dispostas em ferradura rasa olhando pra tela gigante que salta de Defcon 2 pra Defcon 1 enquanto mostra mapa com posição atual do míssil. Ocasionalmente a tela vira mosaico de rostos tensos de autoridades discando de smartphones, tentando entender o que diabos está acontecendo, todos falando ao mesmo tempo, ninguém sabendo o que fazer.

Rebecca Ferguson interpreta Capitã Olivia Walker, analista de inteligência tentando desesperadamente descobrir quem lançou a bomba. Tracy Letts é General Anthony Brady, chefe militar linha-dura que quer contra-ataque imediato antes do míssil chegar – versão moderna do General Curtis LeMay da Guerra Fria, aquele cara que achava que bombardear tudo era sempre a resposta certa. Jared Harris faz o Secretário de Defesa Reid Baker que descobre que a filha afastada dele está em Chicago, exatamente onde a bomba vai cair. Gabriel Basso é Jake Baerington, jovem assessor da NSA brilhante e nervoso que, se isso fosse roteiro do Aaron Sorkin, salvaria o dia com discurso inspirador. Não é. Não salva.

Jonah Hauer-King interpreta o Comandante Robert Reeves, oficial naval de rosto fino e ar sacerdotal que acompanha o presidente com pasta encadernada contendo opções de ataque nuclear e códigos de autorização – literalmente o cara que carrega o apocalipse debaixo do braço. E Idris Elba é o presidente dos Estados Unidos que recebe a notícia sobre o míssil enquanto faz demonstração alegre de arremessos de basquete pra estudantes de ensino médio. Exatamente como George W. Bush descobriu sobre 11 de setembro enquanto lia pra criancinhas.

A equipe da Casa Branca tenta freneticamente interceptar o míssil. E enquanto tentam, precisam decidir: não retaliar e sacrificar cidade americana com milhões de vidas arriscando parecer fracos? Lançar retaliação e arriscar terceira guerra mundial? Apostar que o míssil não vai detonar? E pra complicar: ninguém sabe quem lançou. Coreia do Norte? Outra potência nuclear? Lançamento renegado de algum fanático desesperado que ninguém previu?

Esse não-saber, esse caos operando fora da tradição estabelecida de destruição mútua assegurada entre dois lados, é o que o filme sugere que será origem da nova guerra. E é apavorante porque faz sentido. A Guerra Fria tinha lógica perversa: se você me ataca, eu te ataco, todo mundo morre, então ninguém ataca. Simples. Mas e se alguém não ligar pra essa lógica?

“Casa de Dinamite” tem todos os personagens clássicos do filme de apocalipse nuclear: oficiais grisalhos e cansados que sempre imaginaram que chegaria a isso; equipe jovem trabalhadora fazendo o melhor patriótico possível; pilotos de bombardeiro jovens e completamente irreflexivos encarregados de entregar golpe final. Tudo isso com rostos esculpidos ou pintados de Eisenhower e Lincoln na Casa Branca olhando impassivelmente de cima, como se dissessem “já vimos coisa pior” – sendo que não viram.

O filme mostra com inteligência cruel os momentos de transição horrivelmente irônicos: junto com informação devastadora sobre o míssil, as telas ainda mostram notícias ordinárias no começo – manchetes tipo “Demanda por aluguel aumenta preços”, agora resquícios de mundo perdido que acabou de deixar de existir sem saber.

Tem momentos em que “Casa de Dinamite” parece melodramático ou teatral. Mas talvez seja exatamente assim que aconteceria nos escalões mais altos do poder – todo mundo parecendo atores fantasiados em papéis que tinham um único propósito: deter agressão. Propósito que agora está obsoleto porque a agressão já aconteceu e ninguém sabe o que fazer.

Bigelow constrói filme que funciona como máquina de ansiedade perfeitamente calibrada. Cada repetição dos mesmos 18 minutos vista de ângulo diferente adiciona camada nova de horror. Você vê decisão sendo tomada numa sala, depois entende contexto completo vendo outra sala, depois percebe implicação completa vendo terceira perspectiva. É estrutura narrativa que amplifica terror em vez de aliviar.

E diferente de filmes-catástrofe que te dão catarse de ver cidades explodindo em CGI espetacular, “Casa de Dinamite” nega qualquer satisfação visual. O horror está na espera, na impotência, na impossibilidade de decisão certa. Não tem explosão pornográfica. Tem contagem regressiva implacável pra algo que você não quer ver mas não consegue desviar olhos.

Cinematografia clínica, quase documental, recusa glamourizar terror. Montagem precisa torna cada segundo mais insuportável que anterior. Elenco entrega performances que parecem pessoas reais entrando em colapso em tempo real, não estrelas fazendo papel de crise. Idris Elba especialmente – ele deixa todo carisma natural de lado pra interpretar homem sendo esmagado pelo peso impossível da decisão.

“Casa de Dinamite” é filme que ninguém vai querer rever. E isso não é defeito, é o ponto. Bigelow fez thriller que funciona como soco no estômago moral. Te força encarar pesadelo que preferíamos fingir que não existe. Te lembra que temos arsenais nucleares suficientes pra destruir planeta várias vezes e que controle desses arsenais depende de humanos falíveis tomando decisões impossíveis em 18 minutos.

Kathryn Bigelow voltou depois de anos sumida pra fazer o filme mais desconfortável do ano. Conseguiu. “Casa de Dinamite” é obra-prima de terror político que deixa você saindo do cinema com mãos tremendo e vontade de abraçar quem você ama enquanto ainda pode. Porque o filme deixa muito claro: 18 minutos não é tempo suficiente pra nada.


⭐⭐⭐⭐½ (4.5/5)

Onde assistir: Netflix

Vale a pena? Se você tem estômago pra enfrentar terror nuclear sem filtro e quer ver Bigelow no auge, absolutamente sim. Mas prepare-se: não vai dormir bem depois.