REVIEW Final explicado Na Solidão da Noite Assassinatos na Mansão Bansal

Review Na Solidão da Noite: Assassinatos na Mansão Bansal: crime, classe e um cadáver chamado “mérito”

Veredito curto pra quem tá correndo: um noir indiano que usa o formato de whodunit para cutucar privilégio, moral seletiva e polícia de conveniência. Nawazuddin Siddiqui segura a bronca com um detetive menos verborrágico e mais observador; Honey Trehan amplifica a “aura Raat Akeli Hai” com símbolos de poder (bulldozers, covas rasas) e um elenco afiado. O preço: ritmo pingado no primeiro tempo e didatismo forense que freia a tensão. Quando a engrenagem pega, a pancada emocional vem.


Do que é feito esse cadáver?

A trama estaciona na mansão dos Bansal, dinastia midiática em guerra fria permanente, e explode numa madrugada: seis mortos a machete, manchetes prontas e um circo de interesses para “resolver” tudo sem sujar sapato caro. Entra em cena o inspetor Jatil Yadav (Nawazuddin Siddiqui), o tipo de investigador que fala com sobrancelhas, respira antes de perguntar e só assina laudo quando a conta fecha. O roteiro espalha suspeitos como confete: o herdeiro drogado, a matriarca espiritualizada de ocasião (Deepti Naval, deliciosa de antipatia), o cunhado ambicioso (Sanjay Kapoor), funcionários descartáveis e Meera (Chitrangada Singh), cérebro frio do império impresso.

Não é só “quem matou?”; é “quem pode matar e continuar intocado?”. E Trehan não tem pudor de apontar: o bulldozer como política pública e a fé como verniz pra abuso.


O que funciona (e muito)

  • Nawazuddin em modo lâmina fria. Sem frases de efeito, o Jatil dele é feito de pausa, microexpressão e convicção na marra. Quando racha, racha feio – e é convincente.

  • Chitrangada Singh joga na ambiguidade até o último frame. A cada cena, a pergunta muda: vítima, cúmplice, estrategista?

  • Deepti Naval dá vida ao “guru” de branco com olhar de tubarão. A cada sorriso, uma chantagem.

  • Revathi como a chefe de forense que existe mais no cinema que na vida real – mas que bom que o cinema insiste.

  • Imaginário visual. Trehan sabe filmar poder: os planos das máquinas, a geometria fria da mansão, a textura úmida da noite que engole gente e segredos. Noir que não quer parecer importado.


Onde o filme tropeça (de propósito… e às vezes sem querer)

  • O arranque é lento. A investigação passa tempo demais em tutorial de perícia, com didatismo que esvazia a tensão. Quando a fogueira acende, você já queria estar defumando.

  • Camafeu que não soma. Radhika Apte aparece para ecoar fantasmas do passado do Jatil – funciona como espelho, mas parece colado com fita dupla face.

  • Pistas falsas demais, por tempo demais. O mar de red herrings segura o suspense, mas também dilui o comentário social que o filme quer brilhar.


Política do cadáver: quem apaga quem

A parte mais saborosa é ver o filme encadear privilégio → impunidade → narrativa oficial. A polícia quer solução rápida que preserve o negócio e a própria carreira; a espiritualidade entra para anestesiar; a mídia (deles, claro) organiza a catarse. Quando vítimas e algozes trocam de cadeira, o roteiro pede que a gente engasgue: justiça é vingança com crachá? Ou vingança é a única justiça possível onde o bulldozer decide quem é “legal”?


Elenco em estado de caso

  • Nawazuddin Siddiqui: precisão cirúrgica. Um detetive que escuta – e isso, num gênero de monólogos, vale ouro.

  • Chitrangada Singh: silêncio que afoga. Carrega o filme no olho.

  • Deepti Naval: santidade de shopping, ameaça de porão.

  • Sanjay Kapoor / Akhilendra Mishra: doses certas de vaidade e truculência institucional.

  • Revathi: consciência técnica e moral – sim, idealizada; sim, necessária como contrapeso dramático.


Direção, som e essa tal de atmosfera

Honey Trehan mantém o noir desi sem fetiche: pouca chuva fake, muita noite pesada; interiores que esmagam; som que trabalha vazio e eco como acusação. Quando a trilha entra, é para tensionar, não para explicar.


Vale a rodada?

Vale. Na Solidão da Noite: Assassinatos na Mansão Bansal tem nervo e norte: usar o quebra-cabeça do crime para montar o retrato de uma estrutura que escolhe quem vive, quem morre e quem é culpado de nascença. Se você tem paciência pro fogo baixo do primeiro ato, o terceiro te recompensa com ferro quente na pele. Não é perfeito, mas é incômodo do jeito certo.

Nota do Buteco: 3,5/5
Para quem é: fãs de noir que aceitam denúncia junto com a dedução; quem curte Nawaz em registro minimalista; quem gosta quando o whodunit pergunta “pra quem serve a verdade?”
Para quem não é: quem quer reviravolta por minuto e explicação na colherinha.