Crítica: Mar de Dentro (2020)

A maternidade e toda a sua complexidade permitem diferentes formas de abordagem no cinema, na literatura, no teatro, na TV e onde quer que ela venha a ser representada e discutida. É bom observar a crescente diferença de como ela é tratada, com obras que se permitem ir além da romantização e explorar a mistura de sentimentos que surge com a maternidade. O questionamento sobre o lugar da mulher no mundo, no seu círculo social, na carreira e até mesmo os seus valores e propósitos passam a ser comentados por todos que se sentem no direito de opinar, mesmo que nada tenham a ver com a criança. Teoricamente, todo mundo sabe o que é melhor para o bebê, menos a própria mãe. Em Mar de Dentro, a cineasta Dainara Toffoli (que tem carreira na TV e dirigiu episódios de Lili – a ex, Manhãs de setembro e As Five, entre outros trabalhos) apresenta uma mulher que leva a vida como quer, até que descobre a gravidez e tudo muda.

Manuela (Mônica Iozzi, de Mulheres Alteradas) é uma publicitária ativa, orgulhosa e independente que tem uma relação sem rótulos com Beto (Rafael Losso, da novela O Outro Lado do Paraíso), está muito bem assim e acredita ter total controle sobre a própria vida. Entretanto, a gravidez não-planejada é o começo de uma trajetória diferente de tudo o que ela está acostumada. A insegurança no trabalho é o primeiro choque de realidade que Manuela recebe e ter a sua carreira colocada em risco é o início de um processo de mudanças. Ainda assim, a publicitária tem o privilégio de ter como pai de seu filho um homem que se mostra disposto a permanecer ao seu lado e ser pai não só nos documentos e nas redes sociais, mas alguém presente na vida da criança e de Manuela.

Engana-se quem acredita que a descoberta da gravidez funciona como um botão que, quando apertado, torna toda e qualquer mulher extremamente sensível e um reflexo de amor. Cada mulher é uma mulher, e Manuela desenvolve uma espécie de “maternidade distante”, como se estivesse de corpo presente, mas com a cabeça muito longe. Aceitar a gravidez não-planejada não é um processo fácil, e a publicitária, naturalmente, precisa de um tempo para entender e assimilar tudo o que está acontecendo. Novamente, ela é lembrada de que não tem controle sobre a própria vida e vê seu mundo desabar.

Sem cair na armadilha do extremismo, atriz e diretora esmiúçam a relação entre mãe e filho e mostram que é possível amar o(s) filhos(s) e não gostar da maternidade. Enquanto o bebê se desenvolve, evolui, aprende e também ensina a mulher, ser mãe consome, poda, desgasta e suga todas as energias. 

A sociedade clama, o tempo todo, por mulheres fortes e a maternidade traz o sentimento de que essa força está sendo roubada e, no lugar, o que entra é a ignorância e a vulnerabilidade. Não importa o que faça, cada ação de uma mãe é julgada. A mãe que trabalha fora de casa é tão ou mais criticada do que a mãe “dona de casa”. E os sonhos e os planos desta mãe, para onde vão? 

Como amar esse papel, então? Como aceitar, com um sorriso no rosto, todos os poréns que acompanham a nova função e, o mais importante, entender que é para sempre e, ainda assim, mostrar a todos que não existe felicidade maior do que a de mãe?

A narrativa não quer transformar a protagonista em heroína, mas fazê-la entender o que está acontecendo à sua volta, a compreensível melancolia dos primeiros meses da maternidade e o sentimento agridoce que nasce com um bebê.

O drama de Manuela e o trabalho de Mônica Iozzi são profundos e trazem à tona a complexidade dos sentimentos que chegam com a maternidade. Mônica mostra com competência que os papéis cômicos, que a apresentaram ao público, não é o seu limite e alcança evidente maturidade na carreira. Ela transforma Manuela em uma conhecida não muito próxima, mas a quem queremos bem.

Sob a direção certeira de de Toffoli, Mar de Dentro se torna um drama eficiente sem apelar para a identidade de filme com viés feminino e mostra que surgiu sabendo que haverá significativa identificação com o público.

Mar de Dentro não tenta passar a mensagem de que a maternidade é ruim, mas que é difícil todos os dias.

Todos os dias.