“Você não faria isso? Nem para salvar a princesa?”
“The National Anthem” é o primeiro episódio de Black Mirror, e já começa chutando a porta da moral e da decência, como quem diz: “Se você não aguentar isso, nem continue a série.” Nele, o Primeiro-Ministro britânico, Michael Callow (Rory Kinnear), recebe uma exigência inusitada de um sequestrador: fazer sexo com um porco — ao vivo, transmitido para o mundo todo — ou a princesa Susannah será assassinada.
A princípio, parece piada de gosto duvidoso. Mas logo o pesadelo ganha forma. A internet vira um tribunal insaciável, a imprensa alimenta o fogo e a opinião pública, que no começo era contra a ideia, vira o jogo e exige que Callow “faça o sacrifício”. Os conselheiros tentam bolar alternativas, mas falham. No fim, pressionado por todos os lados, inclusive pela possibilidade de sua esposa e filha serem alvos, o Primeiro-Ministro cede.
E então… ele faz. Durante longos e constrangedores minutos transmitidos ao vivo, Callow consuma o ato enquanto o mundo assiste, com mais de 1,3 bilhão de visualizações.
Mas o twist final vem logo depois: a princesa já havia sido libertada pelo sequestrador antes da transmissão começar. O sequestrador? Um artista performático que cortou o próprio dedo para simular que estava com Susannah, e comete suicídio enquanto o mundo está distraído. O ato de Callow, portanto, foi completamente inútil.

O Significado do Final de “The National Anthem”
O episódio é uma crítica brutal sobre várias coisas ao mesmo tempo:
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A pressão da opinião pública como espetáculo
O episódio mostra como a sociedade, em nome da justiça ou da empatia, pode se tornar tão cruel quanto o sequestrador. Primeiro acham tudo grotesco, depois exigem o sacrifício com base em “valores morais”. O show tem que continuar, mesmo que o show seja o abuso público de um homem. -
O impacto da mídia e das redes sociais
Hoje, tudo é espetáculo. O sofrimento real de alguém pode virar meme, gif, trend no TikTok. “The National Anthem” antecipa esse comportamento: o público se transforma em espectador faminto por escândalo. Quando acaba, eles apenas mudam de canal. -
A desconexão entre o poder e a intimidade
Mesmo tendo “salvado a princesa” e visto sua popularidade subir, Michael Callow perdeu algo que nenhuma pesquisa de opinião recupera: o respeito da esposa. A cena final, um ano depois, mostra os dois distantes, conversando mecanicamente. Ele ainda está no poder, mas o custo foi sua dignidade — e a conexão com quem mais importava. -
O poder da arte como transgressão
O sequestrador era um artista. Seu “protesto” era mostrar que o sistema, quando forçado, é capaz de se autodestruir. E conseguiu. O governo cedeu, o mundo assistiu, e o líder máximo fez algo impensável para não perder o cargo. É o tipo de performance que Charlie Brooker usa para chocar, mas também para provocar reflexão.
Conclusão: E se fosse com você?
“The National Anthem” não tem tecnologia futurista nem robôs assassinos. É um pesadelo extremamente realista sobre moral, mídia, política e humanidade. E talvez por isso seja tão impactante. A questão final que o episódio levanta é simples, mas devastadora:
Até onde você iria para salvar uma vida?
E mais importante:
Até onde você deixaria os outros te forçarem a ir?
E é isso.

