O Gotham Awards 2025 se vende há décadas como “o Spirit Awards da Costa Leste”, aquele espaço sagrado do cinema independente, autoral, alternativo, cult e todos os adjetivos que a A24 coloca em release. Só que, pela primeira vez em 35 anos, não rolou um mísero prêmio pra um verdadeiro filme independente americano. Parabéns aos envolvidos: conseguiram transformar o Gotham em prévia estilosa de campanha de estúdio.
No meio desse caos conceitual, quem mandou na cerimônia foi um iraniano em regime eterno de perseguição, um americano queridinho da cinefilia gourmet e um MUBI que resolveu subir de nicho pra status de “eu já sabia”.
Bem-vindo ao ano em que o “independente” veste terno de grife e toma champanhe com a Warner.
Melhor Filme: One Battle After Another entra oficial no modo frontrunner
Depois de uma noite cheia de reviravolta, quem levou Best Feature foi One Battle After Another, de Paul Thomas Anderson, produzido pela Warner. Surpresa? Um pouco, já que a votação vinha espalhada, mas nada que derrube a narrativa mais fácil da temporada:
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PTA como o gênio autoral que ainda faz filme de adulto com dinheiro de estúdio,
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filme ganhando NYFCC, Gotham e o coração de metade dos críticos que acham que o cinema morreu em 1999.
O longa ainda empilha nomeações em outras categorias (Direção, Roteiro Adaptado, Atuação, Breakthrough Performer), deixando claro que virou pacote de campanha completo. Se tinha alguma dúvida de que One Battle After Another entrou na corrida do Oscar 2026 como favorito, o Gotham tratou de carimbar o passaporte.
Jafar Panahi: diretor, roteiro e filme internacional – o verdadeiro dono da noite
Se PTA levou o troféu mais vistoso, quem realmente dominou o Gotham foi Jafar Panahi com It Was Just an Accident:
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Melhor Diretor
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Melhor Roteiro Original
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Melhor Filme Internacional
Três prêmios num evento americano que supostamente celebra “independência”? Isso tem nome: recado. O Gotham basicamente gritou:
“Quer falar de cinema político, urgente e autoral? Olha aqui, não na sua fábula limpinha de festival europeu.”
Panahi, que já carrega décadas de censura, prisões e restrições no Irã, virou o centro moral da cerimônia. Todo o resto – inclusive o americano “indie” domesticado por estúdio – orbitou em volta disso.
MUBI, My Father’s Shadow e a consagração do “indie curado por algoritmo cinéfilo”
Quem também saiu grande foi o MUBI, que entrou no Gotham como aquele amigo quieto da turma que, do nada, leva dois prêmios e deixa todo mundo revendo o conceito de “plataforma de nicho”:
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My Father’s Shadow garantiu:
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Melhor Atuação Principal pra Sopé Dìrísù,
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Breakthrough Director pra Akinola Davies Jr.
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Filme de dor familiar, trauma, herança emocional e estética milimetricamente pensada – o tipo de produção que faz a timeline cinéfila declarar “obra-prima” antes mesmo de digerir o terceiro plano-sequência.
Enquanto isso, outro MUBI, Sinners, emplacou Wunmi Mosaku como Melhor Atriz Coadjuvante numa categoria cheia de nome grande. Streamer de arthouse, meu bem, agora é jogador de Série A na temporada de prêmios.
Documentário, revelações e roteiros: o resto do massacre
Outros destaques dos vencedores do Gotham Awards 2025:
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Melhor Documentário:
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My Undesirable Friends: Part I – Last Air in Moscow – título que parece piada, mas virou franquia documental com cheiro de prêmio em tudo quanto é lista de críticos.
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Melhor Roteiro Adaptado:
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Harry Lighton, por Pillion, surpresa agradável da noite, em cima de gigantes como PTA e Park Chan-wook.
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Melhor Atuação Coadjuvante:
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Wunmi Mosaku, por Sinners, passando por cima de nomes como Benicio Del Toro, Adam Sandler e dois Skarsgård.
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Breakthrough Performer:
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Abou Sangaré, por Souleymane’s Story, mais uma confirmação de que o Gotham ainda sabe apontar radar pra talento novo – mesmo quando esquece de premiar filme verdadeiramente independente americano.
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Tributos, ego inflado e a parte em que Hollywood aplaude a si mesma
Nenhuma premiação de “cinema independente” estaria completa sem um festival de tributos cuidadosamente calculados pra alimentar ego de gente famosa.
Rolou de tudo:
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Noah Baumbach recebendo tributo de direção por Jay Kelly com direito a introdução cheia de gracinha de Adam Sandler e Emily Mortimer;
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Tessa Thompson ganhando Spotlight Tribute por Hedda, apresentada por Nia DaCosta;
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O elenco de Sinners levando Ensemble Tribute, pra coroar o favoritismo do filme na temporada;
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Guillermo del Toro, Oscar Isaac e Jacob Elordi chegando juntos pra receber o Vanguard Tribute por Frankenstein, com J.J. Abrams fazendo o papel de MC emocionado;
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Kate Hudson e Hugh Jackman virando alvo do primeiro “musical tribute” do Gotham, com aposta ousada de Oscar pra ela;
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Julia Roberts e Luca Guadagnino ganhando o Visionary Tribute por After the Hunt e entregando o discurso mais curto da noite – o que, sinceramente, deveria render prêmio à parte.
É o tipo de bloco que serve menos pra celebrar cinema e mais pra garantir que ninguém importante fique com medo de esquecer que o Gotham existe.
E o tal do “independente”, onde ficou?
A cereja tóxica do bolo:
“Always known as the Spirit Awards of the East Coast, not one truly independent American film won an award at the Gothams for the first time in its 35-year history.”
Ou seja:
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vencedor de longa principal é da Warner,
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vários nomes vêm de A24, NEON, Netflix, MUBI, Searchlight, Orion,
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e o tal “indie autêntico” ficou com o papel de figurante prestigiado – indicado, citado, aplaudido, mas sem troféu.
O Gotham Awards 2025 virou exatamente o que o cinismo já suspeitava: uma prévia estilosa da corrida do Oscar, com verniz de independência em cima de um prato cheio de majors, streamers gigantes e cinema internacional forte.
O que os Gotham Awards 2025 dizem sobre o Oscar 2026?
Resumo da ópera:
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One Battle After Another sai oficialmente carimbado como frontrunner de temporada.
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Jafar Panahi entra como “nome indispensável” em Direção, Roteiro e Filme Internacional.
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MUBI deixa de ser só o streaming que seu amigo hipster assina e vira player real na corrida.
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E o cinema independente americano?
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Continua existindo.
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Só não ganhou nada na festa que supostamente foi criada pra ele.
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Se o Gotham é mesmo o “primeiro grande termômetro” do Oscar, a mensagem é clara:
o jogo em 2026 vai ser jogado por estúdio grande, streamers ricos e cinema internacional forte – e o “independente raiz” vai ter que gritar bem alto pra não virar só nota de rodapé em release de festival.
Confira a lista dos vencedores do Gotham Awards
Melhor Roteiro Original
- “O Agente Secreto”
- “If I Had Legs I’d Kick You”
- “It Was Just an Accident” – (VENCEDOR)
- “Sorry, Baby”
- “Sound of Falling”
Melhor Roteiro Adaptado
- “No Other Choice”
- “One Battle After Another”
- “Pillion” – (VENCEDOR)
- “Preparation for the Next Life”
- “Train Dreams”
Melhor Filme Internacional
- “It Was Just an Accident” – (VENCEDOR)
- “No Other Choice”
- “Nouvelle Vague”
- “Resurrection”
- “Sound of Falling”
Melhor Performance de Coadjuvante
- Benicio del Toro – “One Battle After Another”
- Jacob Elordi – “Frankenstein”
- Inga Ibsdotter Lilleaas – “Sentimental Value”
- Indya Moore – “Father Mother Sister Brother”
- Wunmi Mosaku – “Sinners” – (VENCEDOR)
- Adam Sandler – “Jay Kelly”
- Andrew Scott – “Blue Moon”
- Alexander Skarsgård – “Pillion”
- Stellan Skarsgård – “Sentimental Value”
- Teyana Taylor – “One Battle After Another”
Melhor Direção Revelação
- Constance Tsang – “Blue Sun Palace”
- Carson Lund – “Eephus”
- Sarah Friedland – “Familiar Touch”
- Akinola Davies Jr. – “My Father’s Shadow” – (VENCEDOR)
- Harris Dickinson – “Urchin”
Melhor Documentário
- “2000 Meters to Andriivka”
- “BLKNWS: Terms & Conditions”
- “My Undesirable Friends: Part I – Last Air in Moscow” – (VENCEDOR)
- “The Perfect Neighbor”
- “Put Your Soul on Your Hand and Walk”
Melhor Performance Revelação
- A$AP Rocky – “Highest 2 Lowest”
- Sebiye Behtiyar – “Preparation for the Next Life”
- Chase Infiniti – “One Battle After Another”
- Abou Sangaré – “Souleymane’s Story” – (VENCEDOR)
- Tonatiuh – “Kiss of the Spider Woman”
Melhor Performance de Protagonista
- Wagner Moura – “O Agente Secreto”
- Jessie Buckley – “Hamnet”
- Lee Byung-hun – “No Other Choice”
- Rose Byrne – “If I Had Legs I’d Kick You”
- Sopé Dìrísù – “My Father’s Shadow” – (VENCEDOR)
- Ethan Hawke – “Blue Moon”
- Jennifer Lawrence – “Die My Love”
- Josh O’Connor – “The Mastermind”
- Amanda Seyfried – “The Testament of Ann Lee”
- Tessa Thompson – “Hedda”
Melhor Direção
- Mary Bronstein – “If I Had Legs I’d Kick You”
- Jafar Panahi – “It Was Just an Accident” – (VENCEDOR)
- Kelly Reichardt – “The Mastermind”
- Paul Thomas Anderson – “One Battle After Another”
- Oliver Laxe – “Sirât”
Melhor Filme
- “Bugonia”
- “East of Wall”
- “Familiar Touch”
- “Hamnet”
- “If I Had Legs I’d Kick You”
- “Lurker”
- “One Battle After Another”
- “Sorry, Baby”
- “The Testament of Ann Lee”
- “Train Dreams”

