o bom bandido review

Review O Bom Bandido: Tatum rouba lojas e corações em cinebiografia

Derek Cianfrance decidiu fazer um filme pra todo mundo. O problema é que quando você tenta agradar todo mundo, acaba não agradando ninguém direito. “O Bom Bandido” (Roofman no original) é aquele tipo de cinebiografia que quer te fazer rir, chorar e torcer pelo criminoso – tudo ao mesmo tempo. E quase funciona. Quase.

Channing Tatum interpreta Jeffrey Manchester, ex-militar americano que desenvolveu uma técnica peculiar de assalto: entrar pelo teto de restaurantes fast-food, apontar a arma pros funcionários e esvaziar o caixa. Depois de ser preso e condenado a 45 anos, o cara usa suas “habilidades de observação” (que o filme trata como superpoder, vai entender) pra fugir da cadeia na Carolina do Norte. E onde ele se esconde? Dentro de uma Toys “R” Us. Sim, aquela loja de brinquedos que faliu na vida real mas no filme de 2004 ainda estava viva e passando bem.

Durante seis meses morando secretamente entre bonecas Barbie e video games, Manchester se apaixona por Leigh (Kirsten Dunst), funcionária da loja, mãe solteira recém-divorciada e frequentadora assídua da igreja. Ele assume identidade falsa de John Zorn e constrói relacionamento com ela e as duas filhas. É romântico se você não pensar muito. É problemático pra caramba se você pensar.

Tatum entrega o que todo mundo espera dele: carisma de sobra, olhar de cachorro abandonado que faz você perdoar qualquer coisa, um pouco de dança e pelo menos uma cena mostrando a bunda. O cara sabe o que o público quer e entrega sem frescura. Sua performance carrega o filme nas costas como se estivesse fazendo “Magic Mike” vestido – todo aquele magnetismo natural que faz você torcer pelo personagem mesmo sabendo que deveria estar do lado das vítimas dele.

O problema de “O Bom Bandido” não está no protagonista. Está em todo o resto. Cianfrance, diretor conhecido por dramas densos como “Blue Valentine” e “O Lugar Onde Tudo Termina“, parece desconfortável fazendo filme “comercial”. Os personagens secundários são tão rasos que parecem ter saído de central casting sem entrevista. Peter Dinklage interpreta o gerente babaca da Toys “R” Us como se estivesse numa sitcom ruim. Ben Mendelsohn e Uzo Aduba aparecem como o pastor evangélico e a esposa dele, mas são basicamente estereótipos ambulantes de “sulista hospitaleiro cristão”. LaKeith Stanfield, um dos melhores atores da geração, é completamente desperdiçado em papel de “amigo do exército” que não tem profundidade nenhuma. Juno Temple repete o sotaque caipira de “Killer Joe” sem nenhum da complexidade de personagem.

A única que se salva além de Tatum é Kirsten Dunst. Ela faz o impossível: transforma Leigh numa pessoa real mesmo quando o roteiro insiste em tratá-la como figura de apoio emocional do protagonista. Dunst sempre teve esse talento de fazer você acreditar em qualquer situação – já fez isso em “Melancolia”, “Ataque dos Cães” e faz de novo aqui. Melonie Diaz como a primeira esposa de Manchester mal tem chance de existir, relegada a algumas cenas clichês de “mulher cansada do marido irresponsável”.

Apesar de todos esses problemas, “O Bom Bandido” funciona como entretenimento leve. A comédia tem timing certeiro, o ritmo nunca cansa e você genuinamente torce pra que o cara consiga ficar com a mulher e as meninas. O filme te prende sob seu feitiço charmoso. Até os créditos subirem.

E aí vem o soco no estômago moral que o filme não esperava dar. Durante os créditos finais, o filme mostra imagens de arquivo reais do Jeffrey Manchester verdadeiro. Reportagens de TV da época tratam os assaltos dele com tom jocoso, quase como se fosse travessura. As vítimas aparecem chamando ele de “cara legal”. O público na estreia mundial no Festival de Toronto riu mais dessas imagens do que do próprio filme.

E é nesse momento que você percebe o problema gigantesco de “O Bom Bandido”: o filme glamouriza crime cometido por homem branco sem questionar absolutamente nada. Compara essa história com “Time”, documentário de Garrett Bradley sobre Rob, homem negro condenado a 60 anos por assalto à mão armada e que cumpriu 21 anos antes de receber clemência. Impossível imaginar a história dele sendo contada com esse tom leve, fofo, romântico. Impossível imaginar plateia de festival rindo com charme dele.

Manchester diz no final que finalmente entendeu que machucou as pessoas que amava, que elas não precisavam de presentes caros mas sim do tempo dele. Bonito no papel. Vazio na prática. Porque “O Bom Bandido” nunca se interessa em examinar por que um veterano de guerra volta pra sociedade e acredita que consumismo desenfreado é essencial pra família feliz. O roteiro não investiga a psicologia de homem que viu horrores na guerra, voltou pra casa e foi jogado num sistema capitalista que diz que você só vale o que pode comprar. Não questiona pressões sociais que levam alguém a tomar “decisões ruins” (eufemismo irritante que o filme usa pra evitar falar “crimes”).

Derek Cianfrance fez filme tão preocupado em mostrar o que aconteceu que esqueceu de perguntar por quê. É cinebiografia preguiçosa que confia no carisma de Channing Tatum pra fazer você engolir história moralmente duvidosa sem questionar. Funciona como diversão de duas horas? Funciona. Mas deixa gosto amargo na boca quando você pensa cinco minutos depois que saiu do cinema.

“O Bom Bandido” é filme sobre homem que literalmente entrava pelo teto pra roubar. Ironicamente, o próprio filme tem teto muito baixo de ambição. Podia ter sido crime perfeito do cinema. Acabou sendo só assalto meia-boca.


⭐⭐½ (2.5/5)

Onde assistir: Disponível no streaming do Amazon Prime Video.

Vale a pena? Se você é fã incondicional do Channing Tatum e consegue desligar senso crítico, talvez. Se espera algo além de entretenimento raso, pule.