Filme: Kingsman – Serviço Secreto

Kingsman Colin Firth
Nenhum momento narrativo define mais a reação do público em relação a um filme que seu desfecho: um longa pode até começar de maneira acachapante e apresentar uma premissa intrigante e personagens carismáticos e complexos, mas, se fizer o espectador se sentir entediado em seu ato final, não será surpresa se este deixar a sala de exibição reclamando da experiência que acabou de ter. Semelhantemente, um final original e catártico costuma exercer um poder quase hipnótico sobre a plateia, fazendo-nos esquecer qualquer mediocridade a que tenhamos sido expostos anteriormente e levando-nos de volta para casa com a sensação, seja ela verdadeira ou não, de termos acabado de assistir a algo realmente memorável. Se eu fosse diretor de Cinema e precisasse escolher uma entre as duas estratégias, não hesitaria em optar pela segunda – assim como Matthew Vaughn decidiu fazer neste seu novo Kingsman – Serviço Secreto.

Nova parceria de Vaughn com a co-roteirista Jane Goldman, com quem o cineasta britânico fez os ótimos StardustKick-Ass e X-Men: Primeira ClasseKingsman se propõe a ser um misto de homenagem bem humorada e paródia dos filmes de espionagem (especialmente aqueles que envolvem as agências britânicas), bebendo da fonte e ao mesmo tempo fazendo piada com obras que vão das franquias 007, Missão: Impossível e Bourne e da série 24 Horas, obviamente fundadas no absurdo e na fantasia, a longas mais sérios e realistas como Chamada Para um Morto, Carta ao Kremlin e O Espião Que Sabia Demais – e a grande decepção que os dois primeiros atos do longa proporcionam se deve ao fato de que não são apenas os alvos de seu humor negro que soam datados, mas também suas próprias piadas, que tratam como surpresa uma série de gags batidas que fariam muito mais sucesso se estivéssemos nos anos 90.

Após um prólogo excessivamente didático que narra a morte de um membro do grupo-título liderado pelo “alfaiate” Harry Hart (Firth) (e que adota o velho clichê do objeto especial dado de presente a alguém e que servirá de gancho narrativo em outro momento) saltamos para o presente, quando, condenado a uma vida difícil na periferia de Londres e oprimido por um padrasto violento que subjuga sua sofredora mãe, o jovem delinquente Gary “Eggsy” (Egerton), órfão do sujeito, se envolve em uma briga, é detido e resgatado justamente por Hart, que, acreditando ter uma dívida com o homem que um dia salvou sua vida, lhe oferece a oportunidade de participar do rigoroso processo seletivo que formará o novo agente Kingsman. Enquanto isso, o poderoso mafioso Valentine (Jackson), sempre acompanhado de sua segurança particular Gazelle (Boutella), que tem lanças afiadíssimas no lugar das pernas e não hesita em usá-las para esquartejar seus adversários, arma um plano de “seleção” da humanidade típico dos vilões de Bond.

Misturando armas biológicas, chips capazes de explodir a cabeça de seus portadores, gadgets dos mais diversos (e dos mais impossíveis), sequestro de celebridades mundiais, envolvimento secreto com as mais diversas guerras, traições, etc, a trama de Kingsman é uma salada de frutas que, na tentativa de satirizar as histórias absurdas dos filmes do gênero, acaba seguindo passo a passo sua cartilha. O que, claro, não seria um grande problema caso ao menos suas piadas e gags cômicas soassem minimamente originais. Ao invés disso, porém, o roteiro parece realmente acreditar que gags envolvendo uma situação de alto risco que logo revela-se um “teste”, uma pequena alfaiataria que esconde um gigantesco arsenal em seu subsolo, um personagem que termina calmamente sua cerveja depois de executar violentamente meia dúzia de oponentes ou Samuel L. Jackson falando palavrão e se apavorando com sangue (neste caso, a piada está duas décadas atrasada) ainda representam alguma novidade.

E não é apenas o personagem de Jackson que existe única e exclusivamente às custas da persona cinematográfica do ator que o interpreta (a cena do “banquete” na mansão de Valentine falha miseravelmente ao tentar estabelecer uma ligação com um elemento marcante de Pulp Fiction), já que Hart nada mais é que o estereótipo do inglês sarcástico, esnobe, bem vestido e apaixonado por cerveja e whisky – e é uma pena que um ator tão talentoso quanto Colin Firth surja absolutamente deslocado em cena simplesmente por não ser o nome ideal para o papel, já que falta-lhe o timing cômico que sobraria a, sei lá, Jude Law ou Steve Coogan. E se Mark Strong parece realmente satisfeito em interpretar o mesmíssimo papel em todos os filmes (o sujeito de autoridade, normalmente um burocrata, em quem jamais conseguimos confiar de fato), o novato Taron Egerton jamais mostra-se 100% seguro na tela, podendo ser facilmente descrito como um duplo piorado de Josh Hutcherson.

Famoso por uma identidade estética bastante particular que envolve violência gráfica mostrada através de planos longos, utilização de câmera lenta, zooms e freeze frames e coreografias engenhosas nas cenas de luta (tudo ao som de trilhas sonoras pop), Vaughn volta a adaptar uma HQ (no caso, “The Secret Service”, dos mesmos Mark Millar e Dave Gibbons de Watchmen) e adotar, ao lado dos montadores Eddie Hamilton e Jon Harris e do diretor de fotografia George Richmond, uma lógica visual que emula o virar de páginas de uma revistinha, empregando elipses bruscas que se revelam através de movimentos retos e laterais ou verticais da câmera, causando o efeito de estarmos saltando de um quadrinho a outro com os olhos. Infelizmente, Vaughn e sua equipe decepcionam um pouco nas sequências de ação, quando aderem à câmera excessivamente chacoalhada que se tornou padrão em Hollywood e “lavam” a violência quase que por completo, filmando sangue apenas rapidamente e deixando as cenas mais visualmente agressivas fora do quadro – e estou certo de que o diretor de Kick-Ass jamais usaria o recurso absolutamente frustrante a que Vaughn recorre aqui ao mostrar certas explosões durante o terceiro ato.

Terceiro ato que, como inferi no primeiro parágrafo, quase consegue salvar o longa por completo ao revelar o plano original e divertido (ainda que absurdo, o que combina perfeitamente com a proposta do projeto) arquitetado por Valentine e flertar com o humor realmente negro e “adulto” que consagrou seu diretor – ainda que os roteiristas usem o desfecho da narrativa para amarrar pontas inexistentes, já que nenhum dos conflitos resolvidos em seu clímax havia sido sequer apresentado meia hora antes.

Capaz de surpreender o espectador em pelo menos dois ou três momentos – o que já é um número maior que a maioria das franquias contemporâneas inteiras conseguem atingir -, Kingsman diverte e entretém; ainda que “se ache” muito mais original do que realmente é.