Top 5 – Melhores documentários de 2016

AS RELAÇÕES FAMILIARES, a defesa de uma causa, uma denúncia de autoritarismo, a realidade histórica do racismo, o cotidiano tecnológico, a força social da arte. Um documentário pode ser sobre qualquer uma dessas coisas ou, bem, sobre qualquer outra. O ano de 2016 foi mais uma evidência da força do gênero em termos de abundância temática, liberdade de realização e relevância crescente.

  1. O Futebol

A Copa do Mundo de 2014 no Brasil é o pano de fundo para o reencontro entre um filho e seu pai após cerca de 20 anos. A retomada, no entanto, provavelmente se distancia do imaginado – talvez, até mesmo por Sérgio Oksman, o herdeiro e diretor -, uma vez que a exposição emocional dá espaço à introspecção, a um silêncio incurável, interrompido apenas quando surgem as lembranças, sejam as de um sujeito veterano que conserva o futebol como paixão, ou aquelas responsáveis pelas idealizações de um quarentão que enxergava na Copa a oportunidade para repetir as idas ao estádio na companhia de seu patriarca – cuja voz, imaginava, seria a do locutor das velhas transmissões radiofônicas futebolísticas; consolidam, todas elas, uma relação que, sem demonstrativos mais evidentes, sustenta-se na memória, o mais sólido fio condutor da experiência humana. (Leonardo Lopes)

  1. Entre os Homens de Bem

Em Entre os Homens de Bem, não existe precedente para uma denúncia, para confronto, enfim, trata-se de uma proposta completamente distinta – e, dentro de sua estrutura, igualmente funcional. Iniciando sua trajetória com uma sequência que mostra Jean Wyllys, o objeto da narrativa, numa sessão espiritual de umbanda – corrijam-me se eu estiver equivocado -, o longa-metragem de Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros deixava ali evidente parcela destacada de suas intenções: a humanização daquela figura. (Leonardo Lopes)

  1. Hooligan Sparrow

“Quando você é reprimido e não tem defesa, a única coisa que você pode fazer é documentar as atrocidades.”

Huang, um jovem chinês sem qualquer – mesmo – experiência ou conhecimento em termos de realização cinematográfica, documental ou jornalística e presumivelmente sem formação superior ou elevado grau de intelectualidade, foi o responsável por esta emblemática frase que é definitiva não apenas de Hooligan Sparrow, como da relevância e comprometimento social de que o documentário enquanto gênero artístico dota, de maneira geral.

A jovem Nanfu Wang não precisou mais do que a velha máxima “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” – e longe de mim reforçar qualquer discurso pseudo-meritocrático com isso – para construir uma produção digna de grande admiração. (Leonardo Lopes)

  1. A 13ª Emenda

Produção de Ava DuVernay para o serviço de streaming Netflix, A 13ª Emenda exala relevância e contundência. Realizando um resgate histórico, propõe-se ao entendimento do final da escravidão enquanto um mero renascimento disfarçado da lógica racista na organização social estadunidense, a partir deste ponto sendo velada sob os pretextos da “guerra às drogas” e do “combate ao crime”, motivadores do endurecimento inadequado das leis – realizado pelas figuras mais inesperadas – e da massificação do encarceramento; ao corretamente dar voz àqueles que sofreram factualmente com o hostil cenário norte-americano, o documentário torna-se instrumento de transformação, enquanto contextualiza-se de maneira progressivamente eloquente à atualidade ao embasar factualmente uma noção cujo conhecimento já deveria existir: das práticas policiais racistas à sobrecarga do sistema carcerário, todas as medidas públicas de caráter retrógrado – racistas, xenófobas etc -, inibidoras do progresso, invariavelmente sustentam seu desumano esqueleto com uma motivação fundamentalmente financeira e corporativista – e isto jamais dirá respeito apenas à realidade dos Estados Unidos da América. (Leonardo Lopes)

  1. Cinema Novo

Distribuindo seus 90 minutos entre declarações da época dos grandes diretores que encabeçaram o movimento – alguns deles: Carlos Diegues, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman, Arnaldo Jabor, Ruy Guerra, Paulo César Saraceni -, cenas de seus filmes e outros arquivos jornalísticos de áudio e vídeo relativos à cultura no período, o documentário possui um evidente trabalho primoroso de pesquisa; mais do que isso, existe uma organização narrativa muito coerente no longa-metragem, de modo a estruturar linearmente os atos deste verdadeiro experimento catártico cinematográfico – as raízes de seu pensamento como reflexo de um anseio social, seu modo de produção artística, auge popular e, enfim, a derrocada em 1964, com o Golpe Militar -, construindo um diálogo coerente entre os depoimentos de arquivo e as sequências expostas em tela – estas, responsáveis sobretudo pela provocação do interesse do espectador nas obras presentes. (Leonardo Lopes)

 

Menções honrosas:

Werner Herzog, em momentos distintos da produção, inteligente e ironicamente – mesmo divertidamente – direciona indagações pertinentes às visões mais otimistas da virtualidade, provocando uma reflexão quase flusseriana a respeito dos meios tecnológicos e dispositivos móveis enquanto extensões do corpo humano e da lógica invertida à qual estamos assustadoramente nos submetendo, tornando-nos dependentes e repetidores de tais extensões – que o digam os robôs planejados para a superação dos desempenhos humanos, protagonistas de um dos segmentos da produção. (Leonardo Lopes)

  • Addicted to Sexting

Incomoda a maneira descontraída como o sexting é tratado ao longo do documentário, o que acaba explicitando a falta de foco dos diretores. Afinal, é para ser engraçado, é para seduzir ou é para ser sério? Com personagens interessantes (ainda que poucos sejam desenvolvidos na narrativa), Addicted to Sexting fica pelo meio do caminho e se torna apenas uma distração para falar de uma forma engraçada de uma dependência cada vez maior que todos nós estamos sujeitos: o uso dos celulares como extensão de nossos corpos. (Tullio Dias)